Escrito por Renato Costa Amorim, Engineering Manager da Intellias.
Conectividade sobre rodas: a evolução dos sistemas de infotainment e o seu impacto no mundo automóvel
Passado: a Era da Inovação (2014)
No virar da década passada, os sistemas de informação e entretenimento nos nossos automóveis (conhecidos como “infotainment”) começavam a destacar-se como um elemento crucial na experiência do condutor. Inicialmente reservados aos segmentos de gama média ou alta, estes pequenos ecrãs a cores começaram a espalhar-se por todo o tipo de veículos, incluindo os carros do segmento B. A transição do controlo por botões para interfaces táteis ou híbridas sinalizava uma nova era de interatividade. Funcionalidades como navegação, media, mãos-livres e configurações do veículo começaram a solidificar-se como fatores essenciais para a escolha dos consumidores.
A era dos carros conectados ganhou ímpeto com a introdução do OnStar pela General Motors em 1996, em parceria com a Motorola Automotive, com o objetivo de providenciar assistência por voz em caso de emergência diretamente através do veículo. A revolução continuou em 2014 com a Audi a introduzir conectividade 4G em alguns dos seus modelos, expandindo o potencial de serviços baseados na web e transformando os veículos em hotspots móveis WiFi.
O lançamento do CarPlay da Apple em 2015 não foi apenas um marco na história do infotainment automóvel; foi uma verdadeira revolução. Ao permitir uma integração sem precedentes entre o iPhone e o carro, o CarPlay transformou a maneira como interagimos com os nossos veículos. Agora, tornou-se impensável conceber um sistema de infotainment que não inclua o CarPlay como uma das suas funcionalidades essenciais.
Presente: a Era da Conectividade (2024)
Nos dias de hoje, a exigência por uma experiência de condução conectada, que integre sem falhas o carro com smartphones e a internet, reflete uma mudança significativa nos padrões de consumo e expectativas dos utilizadores. A busca por conectividade transformou os sistemas de infotainment em verdadeiros centros de comando digital nos veículos, ampliando as suas funcionalidades para além do entretenimento. O infotainment é agora um sistema digital central em qualquer veículo, o nó central numa rede digital que conecta toda a inteligência distribuída pelo veículo. Cada vez mais subsistemas e funcionalidades são acessíveis unicamente através do infotainment. Climatização, sistemas de assistência à condução, modos de condução, configurações do veículo, informações de diagnóstico e manutenção: dados e funcionalidades antes completamente inacessíveis ao condutor são agora acessíveis com apenas alguns toques na tela ou comandos por voz.
A inovação não se restringe apenas à inclusão de novas funcionalidades. A capacidade de atualizar os sistemas over-the-air (OTA) representa uma revolução na manutenção e evolução dos veículos já em circulação, permitindo que estes se mantenham atualizados com os últimos avanços tecnológicos sem a necessidade de visitas ao concessionário. Além disso, a introdução de modelos de subscrição para serviços específicos, como o Full Self Driving da Tesla, ilustra um paradigma emergente no qual os veículos se tornam plataformas para serviços baseados em software, redefinindo as expectativas em relação ao que um carro pode oferecer. Esta modalidade de “pay to use”, que permite aos utilizadores acederem a funcionalidades avançadas mediante uma taxa mensal, sem a necessidade de um compromisso a longo prazo, está a transformar o conceito de propriedade do veículo. Aqui podemos estabelecer paralelismos com a proliferação dos serviços de streaming e o seu impacto na indústria da música e cinema, algo que tem gerado alguma controvérsia entre os consumidores.
Futuro: a Era da Integração Total (2034)
À medida que avançamos para 2034, antecipa-se uma transformação exponencial no universo do infotainment automóvel, onde este se torna uma extensão quase indistinguível do quotidiano dos utilizadores. A visão para o futuro sugere que os veículos não serão meramente meios de transporte, mas sim parceiros inteligentes e adaptativos na jornada diária dos indivíduos. Isto implica uma personalização profunda e dinâmica dos sistemas de infotainment para corresponder às preferências e padrões de utilização únicos de cada condutor e passageiro. Aqui é relevante mencionar como o veículo será capaz de ajustar perfis de carregamento, rotas de navegação e modos de condução com base nas agendas, rotinas individuais, estados de espírito ou outra informação em tempo real.
Assistentes pessoais cada vez mais capazes e humanas serão fundamentais nesta evolução, algo já visível nos modelos mais recentes das principais marcas. Esta tendência estabelece uma relação direta com os assistentes virtuais já bem estabelecidos na vida quotidiana, como ChatGPT, Alexa, Siri e Google Assistant, indicando uma convergência entre a tecnologia automóvel e os assistentes digitais pessoais, ao incorporar a sua capacidade de compreensão e resposta a comandos verbais complexos diretamente no sistema de infotainment dos veículos.
Todos estes avanços serão naturalmente potenciados pela Inteligência Artificial, que permite agregar de forma holística informação variada sobre o carro, condutor e outros fatores da condução. Neste aspeto, a conectividade avançada permitirá às marcas aceder a um número exponencial de dados do veículo em tempo real.
Além disso, a expectativa é que os avanços tecnológicos permitam uma integração mais profunda do carro com o ecossistema digital do utilizador, tornando a transição entre o espaço doméstico, digital e móvel quase impercetível. Da mesma forma que vemos como natural o acesso aos nossos serviços digitais e aplicações desde o telemóvel, tablet ou computador, veremos no futuro os nossos automóveis conectados a esses mesmos serviços, dando origem a uma nova gama de serviços que facilitem a mobilidade.
Ecrãs de maior dimensão e em maior número, realidade aumentada e tecnologias de som direcional criarão ambientes imersivos para cada ocupante, personalizando a experiência de viagem ao máximo. Estas zonas de áudio individuais, por exemplo, revolucionam o conceito de entretenimento partilhado no veículo, permitindo que cada passageiro desfrute do seu próprio entretenimento sem interferir com as escolhas dos outros. Esta inovação foi primeiramente introduzida pela Harman, uma das líderes em tecnologias de infotainment automóvel, que apresentou a sua tecnologia na Consumer Electronics Show (CES) em 2018 e estará em breve disponível em modelos de gama alta.
Esta nova era do infotainment transformará a relação entre o carro e o condutor, estabelecendo o veículo como um componente integrante e essencial do estilo de vida digital de cada indivíduo, tal como o telemóvel já o é atualmente.
Implicações da Evolução do Infotainment para OEMs, Empresas de Tecnologia e Engenheiros de Software
As implicações desta evolução no infotainment automóvel já estão a ser antecipadas e ativamente preparadas pelos fabricantes de equipamento original (OEMs), empresas de tecnologia e engenheiros de software. Para os OEMs, a evolução rumo a uma maior integração e personalização dos sistemas de infotainment representa um desafio significativo, mas também uma oportunidade única de diferenciar as suas marcas. Estes avanços exigirão que os fabricantes não só invistam em tecnologias emergentes, como IA, realidade aumentada e interfaces de controlo intuitivas, mas também que estabeleçam parcerias estratégicas com empresas de tecnologia para integrar essas capacidades de forma eficiente e expedita nos seus veículos.
Para as empresas de tecnologia, a crescente procura por sistemas de infotainment mais avançados abre novos mercados e possibilita a expansão de serviços digitais para o ecossistema automóvel, desafiando-as a criar soluções inovadoras que sejam seguras, confiáveis e fáceis de usar num ambiente em constante movimento. Tal como o iOS e o Android abriram as portas para a criação de serviços e apps que agora fazem parte do dia a dia, a evolução dos sistemas de infotainment está a pavimentar o caminho para uma nova geração de aplicações e funcionalidades no veículo. Neste campo é relevante assinalar a crescente utilização do Android Automotive, uma versão do Android desenhada para ser usada como sistema operativo base do infotainment, por marcas como a Polestar e futuramente pela Ford, Porsche e BMW.
Para os engenheiros de software, esta nova era exige um aprofundamento e alargamento simultâneos da especialização e conhecimento. Os profissionais da área são desafiados a dominar uma gama diferenciada, porém abrangente, de competências, incluindo Embedded systems, cybersecurity, functional safety, e o desenvolvimento de user interfaces. Além disso, a responsabilidade de garantir a segurança dos dados do utilizador e a integridade do sistema veicular torna-se cada vez mais crítica, à medida que mais funcionalidades e serviços dependem da conectividade à Internet.
Em forma de conclusão, a transformação no infotainment automóvel não só redefine a experiência de condução e de propriedade do veículo para os consumidores, mas também estabelece novos padrões e desafios para OEMs, empresas de tecnologia e engenheiros de software. Esta evolução promete não apenas veículos mais conectados e personalizados, mas também impulsiona a indústria automóvel e tecnológica a colaborar mais estreitamente do que nunca com outros fornecedores e áreas de negócio para criar a próxima geração de experiências de mobilidade.
Chamem-me de antiquado mas não gosto : é tudo muito bonitinho e tecnológico (e eu até sou um “tech addict” em muitas coisas), mas para mim um automóvel é uma máquina e para controlar uma máquina o melhor é usar máquinas em vez de tecnologia informática . Na minha área (precisamente TI), só existem dois tipos de tecnologia : a que já falhou e a que ainda vai falhar . Vulnerabilidades e falhas de segurança ? Várias vezes ao ano. Intrusões ? Raras por estarmos protegidos por um forte dispositivo de segurança em relação ao exterior (coisa que duvido que aconteça num automóvel que até faz updates OTA). Ecrãs bonitinhos mas que quando falham nos deixam completamente sem controlo de inúmeras operações que antes era feitas facilmente de forma manual … enfim , um sem número de coisas que transformam aquilo que é aparentemente bonito , num potencial problema que pode ser catastrófico mais dia menos dia. Tal como na informática , também havemos de chegar ao ponto dos que já falharam e dos que ainda não falharam…